Nada, a não ser uma noite atípica, fria, próxima ao chuvoso, como uma noite de outubro em Teresina jamais deveria ser. “Assemelha-se ao prenúncio de uma passageira tempestade”, pensei várias vezes. Era esse clima absurdo o que me preocupava até chegar em casa e me envolver em um estranho telefonema. Mal podia saber que o céu despencaria e seria sobre a minha cabeça.
Eu lhe liguei como ligava costumeiramente antes de dormir. Mas dessa vez ele não teve a mesma conversa amável de sempre, ao invés disso, começou a falar coisas estranhas que eu nunca tinha ouvido antes. Ele me disse que não tem certeza se me ama, não sabe se deve ficar comigo, ele acha que precisa conhecer o mundo, acha que se envolver comigo seria prematuro porque eu sou a primeira pessoa com quem ele teve tanta proximidade. Que azar o meu, que azar. Se eu fosse a terceira, quarta, ou quinta pessoa, talvez ele agora estivesse comigo e tivesse certeza de que me ama. Mas eu tive o azar de ser o primeiro, como me perdoar, como perdoar o destino?
Sorte no amor ou sorte no jogo? Acho que deveria me mudar para Las Vegas. Lá é meu lugar, entre os jogadores, não nesse mundo, entre os amantes. O amor só tem me causado transtornos, sem nenhum ressentimento, impiedosamente, o amor tem sido para mim como um predador. “O amor adora consumir a minha carne e esbaforido deixar os restos para as hienas e para os abutres”.
Depois do estranho telefonema, decidi ir beber. É o que faço sempre que me sinto chocado, de felicidade ou não. Comecei com algumas cervejas em um bar e terminei com um litro de cachaça em minha casa. Será que eu o amo? Sem dúvida nenhuma, eu o amo. Amo cada pequeno pedaço do corpo dele que eu possuí. Amo cada pequena fragilidade que eu percebi na sua nudez, na sua personalidade. Amo cada defeito que eu conheci e que pretendia aprimorar. “Ele está melhor agora, aprendeu muita coisa comigo e vai treinar seu aprendizado com os amantes que reclama de nunca ter possuído”.
Depois que ele me falou ao telefone tudo aquilo que tinha para me dizer, senti-me arrasado. “Estou arrasado, graças a deus”. Levei as mãos à cabeça compulsivamente, puxando os cabelos para trás, como as pessoas desesperadas fazem. Isso é uma prova que mesmo com o desastre que foram alguns dos meus romances, eu ainda estou preparado para amar, ainda estou preparado para sofrer de amor. Ele, o amor, não me deixou insensível e indiferente. Ele não consumiu a minha inocência.
“Estou arrasado. Estou arrasado, graças a deus!”.



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