sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Tempestade no meu coração

Rain Storm, Union Square.  Childe Hassam

“Sinto-me como se tivesse sido expelido de um liquidificador, estraçalhado e batido por todos os lados”, foi o que disse a um amigo no telefone recentemente. Os meus sentimentos viraram uma mistura de raiva, dor, frustração e revolta. Não me lembro de quando me vi pautado por sentimentos tão pouco nobres. “Estou andando com dificuldade, por hora preciso da ajuda de uma bengala, não sei quando poderei atirá-la de lado e caminhar por minhas próprias pernas novamente. Estou dormindo com o auxílio de medicação”, falei ao mesmo amigo instantes depois. Passaria todos esses dias embriagado, anestesiado até essa dor passar, mas alguns remédios que tomo não me permitem esses abusos sem pôr em risco a minha saúde.
                Os piores demônios que viviam comigo e que acreditava estarem exorcizados, voltaram à minha companhia, voltaram a ocupar a cabeceira da minha cama. Eles olham para mim com suas faces disformes o tempo inteiro e já não consigo fitar essas aberrações. Não estou em condições de conviver com esses monstros e não tenho crença nenhuma em Deus para rogar em pedido de ajuda.
                Uma constante fúria chuvosa despenca sobre mim. Já verti muitas lágrimas junto a essa chuva morna. A saída somática para minhas dores não são lágrimas, a mais singela representação da dor psíquica, mas sim o vômito. “Como a minha tia fizera quando a sua filha morreu, no velório, ela vomitava para todos os lados”. Sinto inveja de não poder somatizar minhas dores com tanta facilidade. Quem sabe a saída para todo sofrimento humano não seja esse, o vômito? Acho que a minha tia tinha muito que dizer a humanidade com seus reboliços estomacais.
                Que um romance que começou e acabou com a mesma velocidade tenha provocado em mim sensações tão fortes é um sinal do quanto eu preciso amadurecer. O pior mal do idealizador é que quanto mais alto é o sonho, maior é a queda. A realidade não é tão bela quanto aquilo que imaginamos, idealizamos, sonhamos e construímos, diuturnamente quando estamos apaixonados.
                Todas essas angustias acontem porque eu o amo? Disso não tenho certeza. Refazendo meus cálculos, eu descobri que só me apaixonei uma única vez na vida. Esses eventos me fizeram descobrir que o que eu pensava ser o meu segundo amor é na verdade uma invenção causada pela necessidade. Na soma antiga, o D. seria o meu terceiro amor. Contudo, quando releio o meu segundo amor, descubro defeitos gritantes que o jogam na vala comum dos espíritos paupérrimos. O D. é completamente diferente, sua personalidade é uma construção complexa de sentimentos dignos de respeito, ao contrário do outro, ele está no lugar especial dos espíritos luxuosos. Mesmo assim não sei dizer ao certo se o amava ou se ainda o amo. Posso descobrir no futuro que em relação ao meu primeiro amor tudo isso não passou de carinho ou outro afeto menor e menos significativo.
                Dolorosamente, vou caminhando esse labirinto de cercas vivas porque sou obrigado a percorrê-lo em busca de uma saída. Se eu não tenho sorte no amor, serei um jogador falido e compulsivo. Mas sempre rolarei meus dados. Sempre estarei pronto e a espera da hora da sorte, chegue ela um dia ou não.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Antes do resultado final (eleições presidenciais)

Existem algumas coisas que eu pretendo escrever aqui aintes do resultado final das eleições. Vamos a elas.
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Estamos caminhando para o fim de mais um teste a nossa jovem democracia. O Brasil se redemocratizou recentemente e superamos momentos difíceis em busca do amadurecimento de nossas instituições políticas. Um presidente foi deposto, a imprensa, seja no governo Itamar, Collor, FHC e Lula, nos trouxe escândalos de corrupção que nos fizeram cogitar a descrença na política e na capacidade de nós, brasileiros, governarmos a  nós mesmos. A corrupção, como disse The Economist na sua última publicação, não é particularidade de nenhum partido político no Brasil, mas sim uma característica da política brasileira. Precisamos ser capazes de identificar em cada um dos partidos aqueles que fazem política com seriedade e que trabalham pelo fortalecimento do Brasil.


Sobre as eleições presidenciais, vivemos momentos que mais uma vez nos levaram a desacreditar no futuro. Os partidários do candidato de oposição utilizaram do recurso à religião para conquistar votos de conservadores ligados às igrejas. Isso dividiu as próprias igrejas e os fiéis. Sofremos a possibilidade de ver a campanha presidencial dividir o país em conservadores e liberais como ocorre sempre nas eleições americanas. Não estamos preparados para essas novidades e a população brasileira reagiu chocada a essa divisão. Em contrapartida, os partidários da candidata governista revelaram publicamente detalhes da vida pessoal da mulher de José Serra acusando-a de ter praticado aborto, vilipendiando a intimidade do candidato e indo além daquilo que a imprensa e a política está autorizada a fazer. 


Outro traço das eleições foi a constante presença do Presidente da República nos comícios, nas passeatas e no horário eleitoral. Os esquerdistas críticos do PSDB esqueceram autocrítica na hora de avaliar as conseqüências de uma exposição excessiva como esta que transformou o presidente em um cabo eleitoral. A campanha do PT também se pautou em mentiras deslavadas praticando populismo nacionalista ao ameaçar a população com privatizações que o PSDB jamais cogitou.


 É difícil saber qual dos dois lados errou em grau mais severo, resta-nos assistir a tudo isto estarrecidos.
             
A imprensa está dividida e foi muitas vezes partidária. Em uma clara alegoria disso, tivemos as capas da revista Veja e da revista Istoé, cada qual apontando a contradição de um dos candidatos. Isso demonstrou o embate entre os dois meios de comunicação. Conheço de Estadão e Carta Capital terem assumido o seu voto.
 
 Por um lado esse embate sofrido pela imprensa foi um dos bons acontecimentos dessas eleições. Um jornal e uma revista não devem sempre ser imparciais porque isso coloca em risco o comprometimento do veículo com a verdade. Verdade, como sabemos, é um conceito difícil e fugidio, como sempre ensinou a filosofia. É perfeitamente possível que dois lados acreditem fielmente em suas idéias e as defendam com a força de quem crer estar em defesa da verdade. Algo saudável. Errado seria se os meios de comunicação tivessem formado sua linha editorial com base em interesses políticos ou econômicos o que até agora não foi demonstrado.

O ruim não foi a imprensa ter ido à luta por votos, mas sim o fato dela ter se envolvido em denuncismo e sensacionalismo ao invés de divulgar a proposta dos candidatos e mover as discussões em torno delas. O fato da eleição ter virado uma guerra em que um enfia o dedo no olho do outro é em parte culpa da cobertura da imprensa.


Enfim, eleições para o parlamento e para a chefia do executivo jamais serão perfeitas, porque a imperfeição é inerente aos homens e na hora de tomar decisões tão cruciais para o rumo do país é mais do que normal que nos exaltemos. A questão é saber se evoluímos ou se retrocedemos. Sem fazer um julgamento que valorize um ou outro candidato, respondo a esse questionamento afirmando que sim. Evoluímos, vagarosamente, mas evoluímos. Uma evolução à brasileira.

sábado, 23 de outubro de 2010

Roleta: VERMELHO, 27.

 Nada, a não ser uma noite atípica, fria, próxima ao chuvoso, como uma noite de outubro em Teresina jamais deveria ser. “Assemelha-se ao prenúncio de uma passageira tempestade”, pensei várias vezes. Era esse clima absurdo o que me preocupava até chegar em casa e me envolver em um estranho telefonema. Mal podia saber que o céu despencaria e seria sobre a minha cabeça.
Eu lhe liguei como ligava costumeiramente antes de dormir. Mas dessa vez ele não teve a mesma conversa amável de sempre, ao invés disso, começou a falar coisas estranhas que eu nunca tinha ouvido antes. Ele me disse que não tem certeza se me ama, não sabe se deve ficar comigo, ele acha que precisa conhecer o  mundo, acha que se envolver comigo seria prematuro porque eu sou a primeira pessoa com quem ele teve tanta proximidade. Que azar o meu, que azar. Se eu fosse a terceira, quarta, ou quinta pessoa, talvez ele agora estivesse comigo e tivesse certeza de que me ama. Mas eu tive o azar de ser o primeiro, como me perdoar, como perdoar o destino?
Sorte no amor ou sorte no jogo? Acho que deveria me mudar para Las Vegas. Lá é meu lugar, entre os jogadores, não nesse mundo, entre os amantes. O amor só tem me causado transtornos, sem nenhum ressentimento, impiedosamente, o amor tem sido para mim como um predador. “O amor adora consumir a minha carne e esbaforido deixar os restos para as hienas e para os abutres”.
         Depois do estranho telefonema, decidi ir beber. É o que faço sempre que me sinto chocado, de felicidade ou não. Comecei com algumas cervejas em um bar e terminei com um litro de cachaça em minha casa. Será que eu o amo? Sem dúvida nenhuma, eu o amo. Amo cada pequeno pedaço do corpo dele que eu possuí. Amo cada pequena fragilidade que eu percebi na sua nudez, na sua personalidade. Amo cada defeito que eu conheci e que pretendia aprimorar. “Ele está melhor agora, aprendeu muita coisa comigo e vai treinar seu aprendizado com os amantes que reclama de nunca ter possuído”.
         Depois que ele me falou ao telefone tudo aquilo que tinha para me dizer, senti-me arrasado. “Estou arrasado, graças a deus”. Levei as mãos à cabeça compulsivamente, puxando os cabelos para trás, como as pessoas desesperadas fazem. Isso é uma prova que mesmo com o desastre que foram alguns dos meus romances, eu ainda estou preparado para amar, ainda estou preparado para sofrer de amor. Ele, o amor, não me deixou insensível e indiferente. Ele não consumiu a minha inocência.
“Estou arrasado. Estou arrasado, graças a deus!”.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

A via da inocência

Marina Silva (PV) conquistou um número expressivo de votos no primeiro turno das eleições presidenciais e foi a responsável pela existência do segundo turno. Agora os dois candidatos se preocupam em seduzir o Partido Verde. Mas o que está por detrás desse fenômeno que fez de Marina Silva a galinha dos ovos de ouro?
                A resposta só pode ser uma: inocência. Inocência do eleitorado e não de Marina Silva. Desde o começo da eleição ela soube como atrair os eleitores desencantados com o PT e sem coragem de assumir o voto no PSDB. Vendendo uma “terceira via”, que teria como objetivo “quebrar o plebiscito no país” a candidata atraiu toda sorte de desavisados com o seu discurso excessivamente ideológico, do mundo da fantasia.
Marina Silva despertou no coração dos “marineiros” aquela velha centelha infantil que trazemos dentro de nós desde crianças, quando vivemos no mundo dos contos de fadas. No Brasil inteiro gente de todas as classes sociais se identificou com o ato cristalino, puríssimo, que seria o voto na candidata. E foram levar seu inexpressivo partido às urnas quebrando a dicotomia PT-PSDB.
Nem o PT dos escândalos revelados pela imprensa, nem o PSDB de Serra aliado a antigos grupos políticos que já governaram o país. “Tudo menos um candidato que cheire a política como ela é, tudo menos a dura realidade” era o mantra que os eleitores levaram às urnas para votar no Partido Verde. Mas porque votaram se a Marina Silva nunca teria sido eleita? Porque é assim mesmo com as coisas divinas e intangíveis, elas nunca se materializam na realidade. Marina Silva pertence o mundo das idéias, onde segundo Platão, os seres encontram sua perfeição ontológica, ela não é daqui. Ela é um verde alienígena.
Alfabetizada tardiamente, antiga doméstica, vítima de doenças e perversidades da floresta que tanto defende, Marina Silva tem todas as características necessárias para atrair essa parte do eleitorado que anseia por uma alternativa ao duro mundo da politicagem brasileira. Ela lembra um pouco o Lula sertanejo celebrado pelo PT hodiernamente e representado em filme.  
Um choque de realismo, contudo, foi a dado a ex-presidenciável agora que o Partido Verde ameaça uma revolta. Marina Silva está tendo problemas para acalmar a fúria do partido por cargos, ministérios e negociatas. Ela deseja debater de maneira limpa os programas de governo e não fazer coligação oportunista. Ontem ela cancelou uma reunião com a direção do PV.
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E agora, Marina Silva, você vai apoiar o PT ou PSDB e condicionar seu discurso ideológico ao realismo do factível, desapontando seus eleitores ao verem pela primeira vez uma Marina real? É esperar para ver.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

O PT e a Imprensa


           A última aventura petista foi contra a imprensa livre. De José Dirceu a Lula, vários petistas foram demonstrando sua inclinação autoritária. Estão inconformados com a imprensa porque ela não está ocupada em participar do “oba-oba” que o partido pretende fazer valer nessas eleições. Queriam uma imprensa que louvasse os supostos acertos do governo, assim como eles fazem na propaganda eleitoral e na propaganda governamental – nesta última de maneira mais sutil. Como a imprensa não concorda que o governo foi o maior acontecimento da história desse país, só pode estar alucinada. É assim que o problema é visto do ponto de vista do PT.

Houve quem acusasse a imprensa de “golpista”. Estaria a imprensa movimentando interesses partidários quando na verdade ela apenas cumpre com o seu papel em uma democracia: o de fiscalizar o governo. Quanto ao escândalo Erenice Guerra, talvez a imprensa tenha prestado um favor a Dilma Rousseff. Quem imagina qual função a protegida da candidata petista viria a ocupar em um possível governo? Quem sabe tenha sido melhor a bomba explodir agora no que nas mãos de Dilma.
       
            Na Bahia, José Dirceu acreditava estar longe dos reportares em uma palestra para sindicalistas. Era Dirceu em mais um dia de suas vastas ocupações partidárias pós-escândalo do mensalão. O PT não baniu nenhum dos envolvidos no caso (o companheirismo é algo sem fim no PT), e não seria diferente com o companheiro José Dirceu, antigo segundo homem do governo Lula. Então, falando para essa platéia e para as futuras prateias que o petismo ainda lhe proporcionará, Dirceu explanou suas opiniões sobre a imprensa no Brasil. Existiria um “excesso de liberdade” e concluiu "o problema do Brasil é o monopólio das grandes mídias, o excesso de liberdade e do direito de expressão e da imprensa.". As falas de Dirceu falam por si só. Derrubado por um escândalo que nasceu no Congresso e que a imprensa só fez divulgar, ele agora declara suas mágoas.

Porém, o que pensa Dirceu é mais do que o que pensa Dirceu. É o que pensa o PT e é o que pensa o presidente Lula. No background, apagado, mas não morto, Dirceu ainda participa de atividades partidárias e freqüenta o governo na intimidade da amizade que possui com os seus principais protagonistas. Se ele pensa assim é porque a nata do petismo pensa igual e se o presidente não está com eles é capaz que José Dirceu o convença do contrário.

Mas assustador que Dirceu, contudo, foi o Sindicato de Jornalistas de São Paulo ter organizado uma manifestação contra o “golpismo midiático”. A manifestação atraiu a presença de Luiza Erundina (deputada federal PSB/SP). Foi uma panfletagem organizada pelo PT, CUT, MST e UNE. Isso mostra o quanto alguns movimentos sociais e sindicatos ainda mantêm afinidade com o governo. O objetivo do encontro era “redigir um documento, assinado por jornalistas, blogueiros e entidades da sociedade civil, que ajude a esclarecer o que está em jogo nas eleições brasileiras”. O movimento chegou a sugerir uma auditoria nas contas da Editora Abril, Grupo Folha, Estadão e Organizações Globo. E disse “sugerimos que todos assinemos publicações comprometidas com a democracia e os movimentos sociais, como a Carta Capital, Revista Fórum, Caros Amigos, Retrato do Brasil, Revista do Brasil, jornal Brasil de Fato, jornal Hora do Povo”.

O grupo organizado em torno do Sindicato de Jornalistas de São Paulo deu nome aos bois. O que eles chamam de “grande mídia” é certamente a Editora Abril, o Grupo Folha, Estadão e Organizações Globo, mesmo nomes em que foi sugerida a auditoria nas contas. O movimento tem o direito de manifestar sua opinião e de se organizar para redigir documentos, levantar assinaturas e todo o resto. Eles podem até demonstrar apreço por um ou outro jornal e revista, conforme a linha editorial dos mesmos. O que não podem é querer impedir qualquer jornal de manifestar livremente a sua opinião.

No Clube Militar do Rio de Janeiro jornalistas participaram de uma discussão sobre os riscos de censura à imprensa. O tema do encontro era “A democracia ameaçada: restrições à liberdade de expressão." É isso mesmo o que o senhor ou senhora leu, são jornalistas ameaçando a imprensa  em São Paulo e militares ocupados de defendê-la no Rio de Janeiro.

PS: O que é mais perigoso, uma imprensa que critica o governo ou uma imprensa submissa aos interesses dele?