sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Retorno à literatura, anotações sobre J.Verne


Abandonei a literatura universal por quase dois anos. Agora voltei a ela e decidi novamente cumprir a meta de sempre possuir um romance em mãos e ler tantos quantos forem possíveis entre uma e outra atividade das faculdades. A maior dificuldade será financeira, não sei como comprarei tantos livros. Por isso, não poderei cometer o capricho de os escolher a dedo -- lerei os que a sorte lançar para mim.

Abusarei das bibliotecas das universidades, dos colegas, dos livros eletrônicos, recorrendo raramente às livrarias. Que seja, como disse Júlio César antes de se dirigir à Roma: "alea jacta est". A sorte está lançada!


As anotações:

O primeiro que caiu nas minhas mãos é proveniente de um furto no qual fui partícipe, instigando um amigo a roubar o acervo de sua escola particular de nível médio. Trata-se de A volta ao mundo em 80 dias, de Júlio Verne.

É uma vergonha, confesso, que este livro tenha caído em minhas mãos somente agora. É dessas leituras básicas que devem ser feitas aos quinze anos.

Vários livros de Júlio Verne foram adaptados para o cinema, desde o começo da sétima arte até recentemente. Muitos de seus romances possuem elementos que são característicos do cinema, como a aventura e a ação. Perseguições, combates à mão e arma de fogo, infiltrações, e outros eventos que requerem descrições voltadas para o desenrolar físico da ação, são presentes em suas obras, e em muitos autores que aparerentemente o influenciaram, como Alexandre Dumas (pai). A literatura americana é mesmo um filho direto da literatura inglesa, quem sabe essa linha de descendencia não chegou até o cinema americano?

Phileas Fogg (protagonista do livro) é muito bem caracterizado por este diálogo, que se passa na Índia inglesa, no meio de uma floresta, quando seu grupo decide resgatar uma moça que seria sacrificada em um ritual de adoradores da deusa Kali:

-Ora, o senhor tem um bom coração! -- disse sir Francis Cromarty

-Às vezes -- respondeu simplesmente Phileas Fogg. -- Quando tenho tempo.

Fogg é um autômato. Um espírito das "ciências exatas", positivista talvez. Cumpre horários regularíssimos, inspirados nas badaladas do imenso relógio da sua sala. É também um misterioso (parte de seu mistério a trama nem soluciona), não se sabe a origem da sua fortuna, como conhece tantos detalhes sobre geografia e navegação, nem tão pouco quais sejam seus familiares. É anti-social. Frequenta um único club londrino, o Reform Club, onde lê os jornais diários, almoça e joga uíste até próximo da meia-noite. Por mais discreto e distinto que seja, é suspeito de ser autor de um furto milionário no banco nacional.

É no Reform Club que se envolve com a aposta, central para a trama de Verne: dar a volta ao mundo em 80 dias, sem um minuto a mais e nem um minuto a menos. O londrino pretende executar o intento fazendo uso dos meios de transponte da época: navios e linhas férreas. Termina por utilizar também infinitos meios alternativos como paquetes, iates, embarcações comerciais, trenós e elefante.

Contra o inusitado inglês contam fatores como: concordância milagrosa das horas de partida e chegada, a possibilidade de quebras das máquinas, de tempos ruins, de neves, descarrilhamentos ou imprevistos de qualquer ordem que significariam atrasos capazes de por tudo a perder. Além disso, procurado pela polícia em todos os continentes, o inglês terá que despistar um polícial em seu encalço, o agente da polícia metropolitana "inspector Fix".

Logo no início do livro somos apresentados a Passepartout (traduzindo: pau-para-toda-obra) que será seu criado e ajudante toda a viagem. Antigo malabarista de circo, Passepartout defenderá seu patrão com o uso de seus dotes físicos; é também um desastrado, será parte do fator sorte a contar contra Phileas Fogg em toda a viagem.

Logo percebemos que estamos em uma corrida contra o tempo e que o enredo será curto, ágil, e que as expectativas do leitor voltam-se quase completamente para a incerteza da realização ou não do feito por Phileas Fogg e das peripécias que se envolve no caminho. Os personagens são divertidos, inusitados e os dialógos bens construídos; contudo é bem diferente de romances mais calcados na trama e nas personagens. Verne não é estudioso do psiquismo humano, suas atenções voltam-se para o imaginário e a aventura. Os cenários são importantes, mas o livro não possui descrições alongadas dos mesmos, com grandes detalhes geográficos. Elas existem, mas não são o centro do romance, como se pode acreditar pelo título do livro. Elas cumprem apenas o seu papel. Colônias e ex-colônias britânicas serão cortadas rapidamente, onde se passarão os principais eventos do romance. É um mundo interligado pela indrustrialização, colonialismo e pelas máquinas à vapor.

Indispensável para qualquer pessoa que pretenda conhecer ao menos as bases da literatura universal, Verne e a Volta ao Mundo é uma leitura mais que prazerosa, confiram.

domingo, 17 de agosto de 2008

O ator favorito

O ator favorito não foi uma escolha que fiz através de justificativas extensas, por isso não procurem forte embasamento crítico na minha escolha por Anthony Hopkins, meu favorito desde sempre.

De lá para cá meu senso crítico evoluiu bastante, passei a assistir filmes americanos por puro entretenimento e apego a sua linguagem de fácil compreensão e reprodução, mesmo assim, Hopkins continua a despertar o mesmo fascínio de quando lhe admirava com meus olhos de púbere. É como a primeira paixão.

Os mais eruditos escolhem atores do cinema clássico, do cinema europeu ou ainda do cinema independente. Eu escolho um do cinema popular americano porque nunca deixei de apreciá-lo e de ressaltar a sua qualidade maior: ter como espectador o grande público. É inegável que a linguagem hollywoodiana precisa se reformar da mesma maneira como é inegável que produziu grandes filmes. Minha escolha, Anthony Hopkins, é a escolha de um ator com relativa visibilidade que contagiou as massas e parte dos críticos com os seus trabalhos.


O Oscar para
Anthony Hopkins veio com O Silêncio dos Inocentes. Grandes papéis, claro, foram Picasso, Charles Dickens e Nixon em três filmes biográficos; o mordomo workahollic no filme The Remains of the Day (o mordomo obsessivo era um dos atributos impagáveis do excelente filme de James Ivory) e o médico Frederick Treves no filme O Homem Elefante de David Lynch (1980). Sem falar, claro, das suas inúmeras participações como ator coadjuvante. Dos filmes mais recentes com Hopkins, admiro especialmente Hearts in Atlantis, com roteiro baseado em Stephen King.

Com uma seriedade inconfundível, Hopkins sempre atribui maior profundidade a seus personagens, dando-lhes um pouco do seu natural mistério. Sua voz é fascinante. Seus olhos sempre parecem fitar alguma coisa além no espaço. Estilo inconfundível, inspira admiração, como aquela que temos quando estamos na frente de um grande sábio. Procuro assistir qualquer filme que o tenha escalado no elenco.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

O idealismo de Platão e a Beleza


Este trecho de Platão é especial para mim. Observar a beleza fora das formas conhecidas é o sonho de qualquer humanista, como o de qualquer artista ou filósofo.

Eis o trecho:
Simpósio, 211

"que pensar, então, se fosse dado a alguém ver o belo em si, íntegro, puro, sem mescla, e pudesse mirar não uma beleza contaminada de carne humana, de cores humanas e tantas outras frioleiras mortais, mas a própria beleza divina invariável?"


continua:
"não compreendes que somente nessa altura lhe será dado, mirando a Beleza pelo meio certo de mirá-la, dar a luz não simulacros de virtude, visto que não está em contato com um simulacro, mas virtude verdadeira, pois está em contato com a Verdade?"

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Meu lado oriental


Eu sou filótsofo e por isso profundamente ligado à cultura ocidental, vivo submerso na mais profunda tradição clássica. Leio filósofos gregos o dia inteiro. Sou discípulo de Platão e de Aristóteles.

Contudo, sempre guardei o devido espaço para o Oriente e já o deixei influenciar meu pensamento muitas vezes. Li os principais autores japoneses e já li alguns chineses contemporâneos (estes mesmos que vivem o drama da abertura do país). O nipônico Yukio Mishima quase me inspirou um suicídio aos 16 anos com o seu livro O Templo Dourado. Os mangás e animes japoneses me marcaram também, para mim são melhores que os comics americanos. Se um dia eu produzir qualquer literatura, terei em Mishima e nos mangás uma inspiração notável. Meu mangá favorito é EDEN.

Os orientais nos ajudam a entender a nós mesmos. Eles são puros, principalmente, puros da cruz, foram pouco tocados pelo cristianismo. Os séculos que nos separam deram a eles uma identidade individual e social muito diversa. Só recentemente foram integrados à tradição das instituições políticas greco-romanas, eles servem de estudo comparativo quando se procura saber o que realmente é o humano.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Na parede da memória!


Estamos em 2008. Para muitos homossexuais vive-se no ano de 1968 em que as pessoas simplesmente não podiam se tocar na rua. Os homossexuais são proibidos de demonstrar afeto em ambientes públicos e as expressões que acontecem ainda escandalizam. Eu sou homossexual, já sofri barras imensas por causa disso. Ainda hoje somos um grupo muito incompreendido, perseguido e preconceituado.

Quando em 1970 Belchior escrevia sua música chamada "como nossos pais", eternizada na voz de Elis Regina, ele denunciava o fato dos jovens não poderem expressar afeto livremente. Naquela época se vivia as transformações nos valores sexuais. Era um pedido por liberdade, em um tempo em que as relações dos jovens heterossexuais eram barradas e proibidas. Uma luta contra o falso-moralismo.

"Para abraçar seu irmão
E beijar sua menina na rua
É que se fez o seu braço,
O seu lábio e a sua voz..."

O comportamento da maioria dos jovens homossexuais ainda é esquivo e extremamente cuidadoso, evitando espaços públicos sempre. Isso ocorre também nos arredores da escola e em suas casas na presença de suas famílias. É um jogo de gato e rato que prejudica a todos nós que somos gays, criando guetos urbanos, medo, acrescentando pólvora à nossa adolescência. E confusos, muitas vezes nossas famílias não conseguem nos ajudar, o resultado final disso pode ser uma tragédia. Abertamente ou de forma velada, as famílias e comunidades toleram e até incentivam a discriminação, o abuso e a violência contra homossexuais. Como relatado em uma publicação científica recente do GRUPO PELA VIDA/SP, "o adolescente homossexual vive o segredo doloroso, a incompreensão que oprime e discrimina. Como não é acolhido, inicia suas atividades sexuais de maneira clandestina, correndo riscos maiores de se expor a problemas típicos dessa idade, incluindo drogas, suicídio, violência"

Se estamos em nosso Maio de 68 então devemos nos comportar como tal e passar a lutar pela presença da homoafetividade em qualquer ambiente. Não há nada de escandaloso ou imoral na relação de dois jovens do mesmo sexo. A homossexualidade é uma constante humana, uma forma legítima de expressão da afetividade e da sexualidade. Não é justo que os jovens homossexuais vivam a ancestralidade da moral, que proibia o namoro em público, enquanto os jovens heterossexuais gozam de todos os direitos de expressar publicamente seu afeto. Uma moral sexual justa e igual para todos é uma vitória de uma sociedade civilizada.