sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Discussão em torno do “kit-gay”, oportunidade para debater a homossexualidade nas escolas.


O "kit-gay" teria sido idealizado para exibição de vídeos 
nas escolas públicas, incluindo alunos em idade infantil.

Em uma manobra ousada, o candidato à prefeitura de São Paulo José Serra (PSDB) decidiu ressuscitar o “kit-gay” produzido pelo Ministério da Educação para ser exibido nas escolas públicas do país durante a chefia do Ministério pelo candidato Fernando Haddad (PT), seu rival nas urnas. O objetivo de Serra seria conquistar, apontam alguns, votos do eleitorado conservador, em especial, os evangélicos.

O que Serra fez relembra o evento “aborto” ocorrido nas últimas eleições presidenciais. A legalização do aborto foi usada contra o PT e contra a Dilma Rousseff (PT) no que resultou em um tiro pela culatra após o surgimento de acusações de abortamento pela própria mulher de Serra e pela rejeição do eleitorado em tornar a eleição um debate religioso. Agindo como quem não aprende com os próprios erros, Serra se enganou mais uma vez e pagará caro nas eleições ao tentar trazer o conservadorismo e a religião para o centro do debate.

Montagem anônima feita nas 
eleições presidenciais:  rejeição ao apelo 
religioso e conservador de Serra 
com o tema aborto.
Desde que foi divulgado pela imprensa e na internet o “kit-gay” tem provocado acalorados debates. Para alguns, os vídeos fazem proselitismo da orientação sexual homo e bissexual. Após a manifestação de vários setores sociais, a própria presidente Dilma Rousseff se manifestou contra o kit abortando o programa do Ministério da Educação justamente sob a alegação de proselitismo. A suposta intenção do Ministério de exibir o vídeo também às crianças elevou a revolta dos rivais do kit e transformou Fernando Haddad em inimigo público número um dos conservadores e religiosos (a exemplo, Silas Malafaia).

Os vídeos do malfadado “kit”, caso isso tenha sido de fato considerado pelo Ministério da Educação, em hipótese alguma deveria ser exibido no ensino fundamental uma vez que as crianças desconhecem suas preferências sexuais e não podem se identificar com segurança em um grupo de orientação sexual possível (heterossexualidade, homossexualidade e bissexualidade). Além de que as famílias nessa faixa etária detém sobre a educação da criança primazia em relação ao Estado e à escola. A educação das crianças depende inegavelmente da vontade e das escolhas dos pais, livres para determinar a educação dos filhos. 

O conteúdo dos vídeos faz inegável defesa da homoafetividade (aqui link para os vídeos). Essa defesa da homoafetividade, por exemplo, é feita em um dos vídeos demonstrando como vantajoso para um rapaz a sua bissexualidade. Teria o rapaz o “dobro de chances” de encontrar um parceiro (a) ideal. O vídeo se assemelha à verdadeira propaganda e pode incentivar práticas homossexuais por jovens que não têm essa orientação sexual. Esses vídeos são claros exageros de associações GLBT que não representam a opinião de todo o segmento social e que, avançadas demais nos costumes, esquecem o direto dos outros de escolher os seus costumes também.

Contudo, não nos enganemos. O debate nas escolas da homoafetividade é fundamental. Principalmente para os adolescentes uma vez que estes já possuem a orientação sexual definida e já percebem a presença ou ausência de desejos homossexuais a configurar essa possível orientação da sexualidade. De acordo com dados da UNESCO em 2001*, mais da metade dos jovens do sexo masculino nas capitais do país iniciaram sua vida sexual por volta dos 14 anos de idade e as meninas por volta dos 15 anos. Ou seja, em torno dessa faixa etária, espera-se que o adolescente já tenha iniciado sua vida sexual e definido a sua orientação sexual, estando preparado para a educação quanto à sexualidade, onde inclui a diversidade de orientação sexual e a discriminação sexual.
Namorar sem a orientação dos pais e dos professores pode ser 
perigoso para o adolescente.

De acordo com a Constituição Federal, legislar sobre educação é competência concorrente da União, Estados e Distrito Federal (Art. 24, IX, CF). Aos Municípios é dada a responsabilidade de em cooperação técnica com os demais entes efetivar a educação infantil e de ensino fundamental (Art. 30, VI e 211, §2º, CF) e aos estados a prioridade no ensino fundamental e médio (Art. 211, §3º, CF).  Determina também a Constituição Federal de forma ampla a responsabilidade do Estado pela Educação (Art. 205, CF) e a competência administrativa comum nesta matéria (Art. 23, V, CF).

Independente de qual ente político se trate, todos têm a obrigação de fornecer o serviço público de educação e consequentemente todos devem adotar de forma integrada ou de forma autônoma, normatização e programas que apontem as diretrizes na educação sexual dos jovens (onde a homoafetividade está inserida). Os riscos que demonstram a necessidade da educação sexual são por todos conhecidos e apontam para a generalidade dos jovens, independente de orientação sexual: gravidez precoce, doenças sexualmente transmissíveis, prostituição, promiscuidade, violência sexual, agressividade, depressão, vergonha, etc.

"Então eu saia de sala, eu ficava dando
voltas no corredor, eu ficava no banheiro trancado ou 
bebia água. Ou eu ia para casa mais cedo ou eu dizia
para a minha mãe que não tinha tido a última aula.
Porque, pra mim, a solução que eu achava que fosse
seria evitar, fingir que nada estava acontecendo."***
Relato de jovem gay vítima de discriminação escolar.
Sabe-se que os jovens homossexuais e bissexuais são mais sujeitos à violência, ao abuso de drogas, ao abandono familiar, à evasão escolar, à depressão, ao suicídio e à contaminação por doenças sexualmente transmissíveis. Supõe-se 10 mil a 12 mil casos de discriminação por ano registrados no país**. 

A escola não deve adotar posturas de incentivo a determinada orientação sexual, mas tem a obrigação de educar os jovens homossexuais ou bissexuais da mesma maneira como faz com os jovens heterossexuais. Tratar a homoafetividade como tabu só compromete ainda mais a segurança dos alunos de sexualidade diferenciada e pode resultar no fracasso da escola em atingir um resultado satisfatório na educação desse segmento de jovens.

O Art. 227, CF****, é claro em determinar a responsabilidade do Estado, da família e de todos em promover  aos adolescentes o direito à vida, liberdade, saúde, dignidade e respeito, protegendo-os contra a discriminação, violência, negligência, exploração, opressão.

Assim, cabe ao Ministério da Educação, às Secretarias Estaduais e Municipais de Educação determinar (sem usurpar a mesma obrigação de todos os poderes, órgãos do Estado, da escola em si e dos educadores) o caminho a ser seguido para a inserção dos jovens de orientação sexual diferenciada, como um segmento prioritário dentre os demais devido às fragilidades típicas da idade acentuadas pela descoberta de uma orientação sexual diferente do grupo majoritário e passível de forte discriminação social. Sem, contudo, cair em exageros mal vindos de proselitismo e de incentivo à sexualidade precoce.


*CASTRO, Mary Garcia. Juventude e sexualidade. Brasília: UNESCO. 2005
***GOIS, João Bosco Hora; SOLIVA, Tiago Bacelos. A Violência contra gays em ambiente escolar. 2011. Disponível em <http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/13899/7592>  Acesso em: 19 de outubro de 2012.
****Art. 227, CF. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.




segunda-feira, 18 de junho de 2012

ANESTESIA POLÍTICA


Dilma no palanque.
Foi preciso aprender fazendo.
Quando o país elegeu para presidente uma mulher que nunca tinha disputado uma eleição, nascida e desenvolvida politicamente nos bastidores, com dificuldade de se expressar, uma mulher a que um palanque era tudo, menos o seu lugar natural, a minha justificativa foi atribuir a vitória ao sucesso político do presidente Lula e ao insucesso do PSDB em insistir na candidatura de Serra (fraco).

Contudo, depois dos primeiros voos do governo, quando surgiram os índices altíssimos de aprovação, as minhas dúvidas cresceram. O que fez após a queda de inúmeros ministros envolvidos com corrupção, com o crescimento econômico estagnado e inferior aos índices do governo anterior, a presidente manter nas pesquisas resultados de aprovação característicos de grandes governos?

73% de aprovação. Isso não é qualquer coisa. Isso é um índice alto de popularidade e nas democracias atuais um índice difícil de alcançar. Então. O que faz do governo brasileiro um sucesso de popularidade? A minha resposta para essa questão é bem simples. Desde que o Brasil encerrou a fase de crise econômica permanente, dando fim ao caos econômico e inaugurando um crescimento estável e inflação controlada (com o governo FHC e governo Lula) a população passou a se tornar apática politicamente. O governo Lula concluiu oito anos de crescimento econômico considerável e o impacto na qualidade de vida das pessoas tornou todas as demais questões políticas (corrupção, educação, política externa, etc.) desinteressantes para o eleitorado. A única coisa que interessa ao povo brasileiro, atualmente, é o crescimento do consumo.
Consumo: muito além do feijão com arroz

 Com a economia em dias, a classe média passou a consumir mais, e o consumo chegou, pela primeira vez, a classes humildes da população, foi um processo longo para o país onde o PT se inseriu com êxito. Mas nada disso pode sozinho justificar os sucessos petistas. Por detrás da qualidade do governo Lula no aprimoramento da política econômica e em engatilhar o Brasil no crescimento, existe a poderosa máquina de propaganda que o PT iniciou na primeira vitória de Lula e que nunca encerrou. O carisma do presidente “operário-retirante” somado ao sucesso do maquinário ideológico e de propaganda deu a inúmeros brasileiros uma sensação contínua de bem-estar social. Varrido o governo FHC da memória dos brasileiros pela ideologia petista, restou apenas a identificação do governo Lula, ou quiçá de Lula, no sucesso recente do Brasil.

Nem o mensalão ou a recente crise nos ministérios é capaz de tocar o sentimento do povo, que em situações normais poderiam ter sido levados a diminuir a popularidade do governo. Toda a fascinação pelo petismo se esconde no sucesso econômico e na propaganda disseminada. O escândalo que derrubou Collor foi decisivo para o seu governo, mas o “mensalão” não foi decisivo para Lula. Não apenas porque a convulsão de um impeachment não era desejada, mas principalmente porque para que um governo seja mal avaliado é fundamental a percepção do povo da sua própria condição econômica, percepção nefasta em Collor e positiva em Lula. Isso, o crescimento econômico, foi uma realização a que o PT mais atribuiu a si do que dele diretamente decorreu, tudo graças ao êxito propagandístico.

Como uma boa logomarca, a estrelinha também evoluiu.


Para finalizar essa análise, é necessário ainda acrescentar um fator que surge como um dos mais fortes e determinantes da boa imagem dos governos nacionais petistas. Esse fator é a correlação entre a ascensão de Lula e o fim dos governos assim chamados de “elitistas”. A primeira vitória de Lula foi construída sobre o baluarte da ética pública, foi identificada com uma reviravolta nacional em que pela primeira vez um partido genuinamente de esquerda havia alcançado o governo. Apesar do apoio que se seguiu do PMDB e de outros partidos ligados à política tradicional e sendo o PT um partido aceito pelas classes altas e inofensivo aos seus interesses, não é assim que a militância observa o seu próprio partido que dissemina o mito da perseguição e golpismo elitistas. Esse mito é uma das bases de sustentação do PT, funcionando como gasolina ou combustível para a continuidade da marcha utópica que anteriormente movera os militantes do partido.

Com essas considerações finais e sem formalismos de regras de redação, encerro o texto. Agora é esperar como uma CPI voltada em parte para a oposição poderá contribuir no apoio da população ao governo petista, eu palpito que a CPI será irrelevante como fator positivo na avaliação da presidente. Como tudo tem sido, a não ser a economia e o consumo.

domingo, 29 de abril de 2012

NATURE BOY/NAT KING COLE (MADRUGADA)



Noite Estrelada sobre o Rio Ródano.
Van Gogh. O uso da refração lembra o impressionismo.
Uma bela música completa qualquer madrugada. Quando a música é de Nat King Cole*, a madrugada pode desenvolver ainda mais as suas qualidades. Além do silêncio, é a impressão de que todos estão submersos na mesma quietude o que a torna tão viva em sentimentos. É hora de vigília enquanto os outros dormem. 

Em alguns momentos da vida, sentimos-nos iluminados por uma grande ideia. É o que acontece quando saímos do cinema após assistir um bom drama: colocamos-nos em sintonia com algo maior. Saímos iluminados de vida, de experiências humanas. As letras dos créditos passam lentamente e não conseguimos levantar da cadeira. São poucos segundos de introspecção. A extensão desses poucos segundos, é como a madrugada tem sido para mim.

Noite Estrelada.  Van Gogh   Por que um simples arbusto 
protagoniza esta cena?
Como no quadro clássico de Van Gogh (Noite Estrelada) na minha madrugada as estrelas circundam as nuvens. Cada estrela é como um universo de experiências que vivi. Todas elas interligadas pelos traços da minha personalidade, dos meus aprendizados. A textura marca a experiência como rugas. Não há alternativa a não ser unirmos nossa pequenez à grandeza do mundo. Em momentos como esse, cada respiração nos comunica a algo maior: o repositório de todos os dramas humanos. Para um jovem deitado no meio do nada, a solidão serve na verdade como uma conexão entre ele e as estrelas.

Nat King Cole.
Cantor de jazz e músico norte-americano.
 E então, qual seria a minha grande ideia, a grande tacada metafísica, abstrata, capaz de servir agora como uma luz, uma chave mestra para todas as minhas questões? É certo que ainda não estou no fim da vida, nem perto do meio, mas até agora, em todos esses anos, nunca pude ser tão grande como esperei um dia ser. A diferença é que neste minuto isso não é mais importante para mim. Minha vida, que ainda é tão marcada por conquistas não chegadas, ganha agora a importância pelo que sempre foi, pelo que sempre a preencheu.



Amo cada detalhe da minha particular existência nesse mundo, é este o segredo dessa madrugada de luzes. Estou desligado de qualquer coisa que agora não possua. Não à toa o segredo do crescimento em uma sociedade de consumo é a sensação humana de eterna insatisfação. Por maior que seja uma existência, ela se resume a mesma simplicidade de sempre: a concretização da felicidade. Com a impressão visível, desenhada nas estrelas, de que estou nesse mundo em busca de outra coisa a não ser a minha própria realização, sinto como se pudesse encarar com maior clareza o dia de amanhã.
(...)

Música: "There was a boy, a very strange enchanted boy/ They say he wondered very far.. very far.../ Over land and sea"... (Havia um garoto, um garoto muito estranho e encantador/Diziam que ele veio de muito longe, muito longe/ Além da terra e do mar..) NATURE BOY/ NAT KING COLE.





*A música Nature Boy pode ser ouvida no link direto para o vídeo. Consagrada na voz de Nat King Cole é de autoria de Eden Ahbez. Letra e tradução: AQUI.