sexta-feira, 10 de junho de 2011

O Belo é, é isso o que o Belo faz*

Davi de Michelangelo.

            Em uma leitura ocasional aos dezesseis anos tive contato com a frase que marcaria o meu primeiro amor: “o Belo é, é isso o que o Belo faz”. A frase é de Betsey Trotwood, tia e cuidadora de David Copperfield do clássico livro de Charles Dickens. Eu mal acordara para a sexualidade e — como de usual — estava apaixonado pela beleza.

            Ao ler a fala de Mrs. Betsey, imediatamente percebi o que acontecia na minha vida. Aquele rapaz pelo qual me apaixonara fascinava em todo o sentido da expressão usada pela personagem. “Ele era, era isso o que Ele fazia”.

            A sua personalidade não passava de um adendo para a sua estética, todas as suas ações estavam contaminadas por esse multiplicador. Por algum tempo o achei semelhante a Davi de Michelangelo. Davi por mais que inspirasse ideais gregos e renascentistas de beleza, revelava em suas mãos desproporcionais um convite ao conceito de beleza mais pós-moderno possível: a individualidade. Meu rapaz era individual e classicamente belo.

            Ele não tinha mãos desproporcionais como as de Davi. Mas as suas veias saltadas, sempre aparentes, assemelhavam-se aos contornos das veias do corpo da escultura. Era claro como mármore, mas quente como o desejo que ele me inspirava. Seu corpo não tinha pelos,  assim como uma estátua nua.

Davi com a cabeça de Golias. Caravaggio.

            Toda a minha paixão pela filosofia e pelos gregos estava materializada nele. Ele preferia Esparta a Atenas. Gostava de lutar e Esparta soava mais agradável à sua índole guerreira. Já eu, era fascinado pelo que o homem ateniense aprendeu a fazer melhor do que qualquer outro: pensar.

             Aos dezesseis anos era imaturo e fantasioso o suficiente para achar que era o homem mais inteligente do mundo e ele o rapaz mais belo que Deus tinha criado. Para elevá-lo, dizia-lhe que era mais inteligente do  que eu, o que não era mentira. Ambos éramos inteligentes. Hoje, nem eu nem ele somos. Jogamos nossa inteligência no lixo junto com os nossos sonhos e a nossa amizade. Não o vejo há tanto tempo que nem sei dizer se ao menos continua belo.        

            Em uma gravação ao - vivo de Ella Fitzgerald com Louis Armstrong, Ella pergunta a Louis: “você já se apaixonou?”. Louis responde: “já me apaixonei quatro vezes”. Como o jocoso Louis, eu também voltei a me apaixonar. Contudo, nunca a beleza foi novamente o motriz exclusivo da minha paixão. Como muitos dos sentimentos que conheci naqueles anos, a beleza se perdeu na inocência do chumbo da minha minha segunda infância. Se a encontrarei um dia, não sei. Restam-me as fortes recordações da imagem da nudez do meu primeiro amado, o corpo nu do meu herói grego/judeu estampado na  minha memória como uma tatuagem.

Willian Turner: auto-retrato.


(*qualquer semelhança com pessoas fictícias ou reais é liberdade poética, nenhum texto de contéudo pessoal deste Blog deve ser lido de forma a relacionar os textos com pessoas reais da vida do autor).


Um comentário:

JORGE FERNANDO disse...

acho q sei quem é o dito cujo.