domingo, 26 de junho de 2011

O 80º aniversário de Fernando Henrique Cardoso

FHC: 80 anos de pura história.

 
            Fernando Henrique Cardoso comemorou o seu 80º aniversário no dia 18 de junho. Símbolo da única oposição possível ao ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, FHC não recebeu nenhum telefonema, nem carta, nem manifestação pública por parte do rival. Os jornais destacaram, contudo, a carta escrita pela presidente Dilma Rousseff. Na carta elogiosa, ela atribui a FHC a estabilização da economia.
            Pela repercussão da imprensa à carta da presidente, tem-se a impressão de que o PT finalmente teve a coragem de assumir o legado deixado pelo governo de FHC ao invés de disseminar a ideologia de “herança maldita”, estratégia estapafúrdia que garantiu ao partido três vitórias seguidas nas eleições presidenciais.
            Entretanto, o singelo gesto presidencial não tem a força de redimir tantos anos propagadores dessas idéias de injustiça. Nem tampouco demonstra um sinal de mudança no comportamento petista. É na verdade um breve afago ainda fortemente marcado pela vergonha. Pela altura do orgulho petista, pode-se compreender como um gesto vitorioso para alguém dotado de um ego tão acentuado.
Depois do caos inflacionário, uma moeda capaz
de agregar valor a uma unidade.
            Independente do reconhecimento petista o importante é o reconhecimento que será dado ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso por intermédio da história. Mesmo com o débil esquerdismo que ainda domina as universidades brasileiras, não se cogita a hipótese de um atentado à memória dos fatos naquilo que eles evidenciam de mais notório. É que FHC deu o pontapé inicial, lançou a pedra fundamental do equilíbrio econômico e democrático. Nem as tão celebradas conquistas sociais do governo Lula seriam possíveis caso Lula tivesse que enfrentar o caos econômico-financeiro que o governo FHC enfrentou e foi capaz de afugentar. Ao invés de desafiar Lula para disputar uma nova eleição ou mesmo a um debate no seu instituto, como já fez anteriormente, Fernando Henrique Cardoso deveria desafiá-lo a suceder Itamar Franco nas condições em que ele sucedeu e ter conseguido os resultados que o seu governo conseguiu. Em suma: deveria desafiar Lula a ser FHC.
          Por ocasião do 80º aniversário, foi organizado um especial com oitenta depoimentos de personalidades da política, da economia, do jornalismo e das artes sobre FHC. Personalidades como George Soros, Bill Clinton, Fernando Gabeira, Kofi Annan, Mario Sabino, Pedro Malan, Miguel Reale Jr., Roberto Civita e Vargas Llosa deram o seu sincero depoimento sobre o ex-presidente.
Alain Touraine: o gênio francês é capaz de dar a
FHC o seu devido papel.
          Não obstante, é no depoimento do sociólogo francês Alain Touraine que me alongarei. Nas suas exatas palavras: “Fernando Henrique Cardoso, que vencera a trupe numerosa dos radicais da dependência, que levou a cabo com sucesso uma reforma monetária indispensável e garantiu a continuidade das instituições, criou verdadeiramente o novo Brasil no qual Lula fez entrar dezenas de milhões de brasileiros e onde Dilma age no sentido de diminuir as desigualdades. Desde Fernando Henrique Cardoso, o Brasil é o único país que se modernizou ao mesmo tempo política, cultural e economicamente. É nesta escala que se deve medir a obra daquele que, por seu pensamento pessoal, e dando ao seu país uma estabilidade institucional nunca antes conhecida, fez do Brasil um dos Grandes”.      
            O petismo não tem responsabilidade alguma com a história. Sua ocupação é o sustentáculo falacioso que atribui a Lula — o homem do povo — a salvação deste mesmo povo. Este é o final feliz do conto de fadas petista a que o partido e sua massa de militantes idólatras jamais conseguirão riscar de suas mentes, nem que seja a custa do assassínio dos fatos.
Lula e FHC.
O sociológo e o sapo.
            Porém, a sociedade brasileira é mais forte do que a ideologia e idolatria petistas criadas em torno de falácias sobre a história pessoal de Lula, as realizações do seu governo e o passado recente do Brasil. Essa máquina "ideologizante" — movida para perpetuar-se no poder — irá ranger e desmoronar na primeira eleição presidencial perdida. De tudo isso não restará pedra sobre pedra.
            A disposição histórica dos papéis de FHC e LULA para as conquistas recentes do Brasil não será feita neste mesmo cenário de disputa política e ideológica entre o PSDB e o PT. A história será escrita em um ambiente afastado dessas celeumas e livre de todo o partidarismo. Homens como Getúlio Vargas e Juscelino Kubstchek foram grandes o suficiente para afundar o Brasil nessa mesma disputa sentimental e de toda a paixão envolvida restam apenas linhas escritas no papel. Este será o destino de Fernando Henrique Cardoso: ser redimido pela história. 

sexta-feira, 10 de junho de 2011

O Belo é, é isso o que o Belo faz*

Davi de Michelangelo.

            Em uma leitura ocasional aos dezesseis anos tive contato com a frase que marcaria o meu primeiro amor: “o Belo é, é isso o que o Belo faz”. A frase é de Betsey Trotwood, tia e cuidadora de David Copperfield do clássico livro de Charles Dickens. Eu mal acordara para a sexualidade e — como de usual — estava apaixonado pela beleza.

            Ao ler a fala de Mrs. Betsey, imediatamente percebi o que acontecia na minha vida. Aquele rapaz pelo qual me apaixonara fascinava em todo o sentido da expressão usada pela personagem. “Ele era, era isso o que Ele fazia”.

            A sua personalidade não passava de um adendo para a sua estética, todas as suas ações estavam contaminadas por esse multiplicador. Por algum tempo o achei semelhante a Davi de Michelangelo. Davi por mais que inspirasse ideais gregos e renascentistas de beleza, revelava em suas mãos desproporcionais um convite ao conceito de beleza mais pós-moderno possível: a individualidade. Meu rapaz era individual e classicamente belo.

            Ele não tinha mãos desproporcionais como as de Davi. Mas as suas veias saltadas, sempre aparentes, assemelhavam-se aos contornos das veias do corpo da escultura. Era claro como mármore, mas quente como o desejo que ele me inspirava. Seu corpo não tinha pelos,  assim como uma estátua nua.

Davi com a cabeça de Golias. Caravaggio.

            Toda a minha paixão pela filosofia e pelos gregos estava materializada nele. Ele preferia Esparta a Atenas. Gostava de lutar e Esparta soava mais agradável à sua índole guerreira. Já eu, era fascinado pelo que o homem ateniense aprendeu a fazer melhor do que qualquer outro: pensar.

             Aos dezesseis anos era imaturo e fantasioso o suficiente para achar que era o homem mais inteligente do mundo e ele o rapaz mais belo que Deus tinha criado. Para elevá-lo, dizia-lhe que era mais inteligente do  que eu, o que não era mentira. Ambos éramos inteligentes. Hoje, nem eu nem ele somos. Jogamos nossa inteligência no lixo junto com os nossos sonhos e a nossa amizade. Não o vejo há tanto tempo que nem sei dizer se ao menos continua belo.        

            Em uma gravação ao - vivo de Ella Fitzgerald com Louis Armstrong, Ella pergunta a Louis: “você já se apaixonou?”. Louis responde: “já me apaixonei quatro vezes”. Como o jocoso Louis, eu também voltei a me apaixonar. Contudo, nunca a beleza foi novamente o motriz exclusivo da minha paixão. Como muitos dos sentimentos que conheci naqueles anos, a beleza se perdeu na inocência do chumbo da minha minha segunda infância. Se a encontrarei um dia, não sei. Restam-me as fortes recordações da imagem da nudez do meu primeiro amado, o corpo nu do meu herói grego/judeu estampado na  minha memória como uma tatuagem.

Willian Turner: auto-retrato.


(*qualquer semelhança com pessoas fictícias ou reais é liberdade poética, nenhum texto de contéudo pessoal deste Blog deve ser lido de forma a relacionar os textos com pessoas reais da vida do autor).