TRILHAS SONORAS E RETORNO
Chopin foi a trilha sonora dos meus 17 anos e atualmente quando o escuto volto no tempo. Era esplêndido, os noturnos ganhavam a noite levando-me com eles. Em linguagem de informática podemos dizer que Chopin é um ponto de restauração do meu sistema, uma ação que motiva um retorno do meu ser a um lugar aonde ele já esteve, permitindo que eu volte a "ser" o que já fui, ocupando por alguns segundos uma inteira condição psíquica passada. É muito provável que Tom Jobim termine sendo outro desses pontos de restauração e no futuro faça-me retornar para a atualidade com as suas músicas instrumentais.
Começa a execução do piano dos noturnos e volto à mesma janela, ao mesmo quarto, com um cigarro e xícaras de café, uma sensação impressionante que acho só ser possível ocorrer em mim. Eu sinto o gosto do café na minha boca novamente, o cheiro da canela que adicionava a mais nos ca
ppuccinos. Nessa época tinha deixado de freqüentar escolas e atingido o ápice do meu comportamento anti-social. Vivia para mim mesmo como um animal livre e soberano, lia meus livros solitário e vivia meu mundo, um selvagem que nutria paixões puríssimas, obcecado como era com a nobreza dos próprios sentimentos. Nesta idade feri propositadamente o antebraço duas vezes causando queimaduras irreparáveis de terceiro grau; pequenas cicatrizes de 4cm de diámetro que meus amigos rockeiros de Teresina chamavam de scars. O abuso de entorpecentes era constante, gritava ouvindo Sex Pistols: no fun, my baby, no fun! Ou ainda: no future, no future, for YOU! Passava-se "nada" na minha cabeça como dizia mamãe.
ppuccinos. Nessa época tinha deixado de freqüentar escolas e atingido o ápice do meu comportamento anti-social. Vivia para mim mesmo como um animal livre e soberano, lia meus livros solitário e vivia meu mundo, um selvagem que nutria paixões puríssimas, obcecado como era com a nobreza dos próprios sentimentos. Nesta idade feri propositadamente o antebraço duas vezes causando queimaduras irreparáveis de terceiro grau; pequenas cicatrizes de 4cm de diámetro que meus amigos rockeiros de Teresina chamavam de scars. O abuso de entorpecentes era constante, gritava ouvindo Sex Pistols: no fun, my baby, no fun! Ou ainda: no future, no future, for YOU! Passava-se "nada" na minha cabeça como dizia mamãe. Como será quando Tom Jobim fizer-me voltar aos meus 21 anos de idade? Eu tenho neste momento metade da complexidade que tive antes e teminarei com meu retorno não honrando ao maestro caso não me torne mais criativo e não irei. O que faço agora é ferir de morte a consciência daquele garoto que já fui. Ele jamais toleraria que eu abandonasse o curso de filosofia, pouco importa com o uso de qual argumento. Na certa entraria em um acordo quanto ao abandono do nosso antigo estilo de vida, jamais concordando, porém, com os resultados medianos e conseguintemente medíocres do curso de Direito, porque ele odiava o comum, o homo medius e perceberia que me condeno a isso. Ele sofria da síndrome de Erostrato e havia de se tornar grande nem se fosse como incendiário ou assassino, esse era o seu espírito.
Nunca fui tão inteligente quanto naquela época. Não porque tivesse conhecimento acumulado pelo estudo, mas porque desenvolvia com mais facilidade os dramas que apreendia nos romances. Podia compreender uma situação apresentada por um romance com grande nitidez e transferí-la para mim, sentindo-a em seguida na mesmíssima moeda. Como esquecer a leitura angustiante de Werther? Os contos completos de Virginia Woolf? As biografias de Heidegger (Safranski) e Sartre (Beauvoir)? Eu estava me preparando para viver como um intelectual deveria viver, procuraria os meus pares nas universidades para poder ser, finalmente, feliz. Era isso que se passava na minha cabeça. Era um artista e um filósofo. Iria morrer do mal dos artistas, morreria por ter o coração muito sensível à arte, à vida e à luta.E agora aos 20 anos quando entro para a faculdade de filosofia e descubro formas de dividir minhas experiências, abandono-a tentado como estou pelos valores artificiais adotados por minha família. Tento agora me comportar como um adulto, mesmo porque "a adolescência é o prisma pelo qual os adultos olham os adolescentes e pelo qual os próprios adolescentes se contemplam", como definiu um psicólogo brasileiro na Folha de São Paulo. Como um adulto tento engolir o sentimento profundo de desgosto que é para mim não fazer mais aquele curso e ter fé que terei sorte em arrumar um emprego na capital (como advogado) e puder viver longe da minha cidade natal onde a sociedade acha-se ainda mais barbarizada e distante do modelo que busco para mim.


Um comentário:
Beauvoir
creio que esteja falando de Simone Beauvoir
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