O que me salva desses dias sufocantes é o som da música. Tenho vivido na voz de Ella Fitzgerald e Louis Armstrong todos os amores que deixei de viver. A música me desloca dos meus desesperos e abre para mim a porta dos amores, sonhos e sentimentos alheios. Um momento em que saio de mim e alcanço o universo dos outros. Um novo amor para cada composição, “dream a little dream of me”. Posso beijar o meu amor e lhe dizer coisas doces por quantas horas quiser, podemos dançar lentamente ao compasso da melodia de um jazz sensacional. Mesmo que esse amor não exista, mesmo que ele tenha me abandonado.
“Doces sonhos até os raios de sol te encontrar/ doces sonhos que deixam todas as preocupações para trás/ mas em seus sonhos quaisquer que eles sejam/ sonhe um pequeno sonho comigo”. “Sweet dreams till sunbeams find you/ Sweet dreams that leave all worries far behind you/ But in your dreams, whatever they be/ Dream a little dream of me”.
Nem a sombra mais vertical e febril dos meus amores mal resolvidos poderá vencer a alegria regozijante dos amores que virão. Mesmo com todo o desamor, mesmo com todo o descaso, mesmo com o desprezo, essa sombra ultrapassada não projetará sua força sobre os meus sonhos e meu futuro. Nenhuma vez essa sombra agrediu a minha inocência: vou amar sempre sem nenhum cuidado e com toda as minhas forças. A minha vida ainda será como uma bela música de jazz, para belos e felizes amantes. E cada vez mais ela se distanciará de uma ópera dramática. Será um ato com dois personagens, dançando nas nuvens a imensidão da paixão e do jazz.

