quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

texto do meu diário (comparações com a obra Confissões de uma Máscara, Mishima)



Escrito em maio de 2004, tem como tema as impressões de colegial.

Ao contrário do personagem de Mishima, a que roubo o nome dessas confissões, não me lembro de ter fantasiado uma única vez, quando criança, as coisas que ele confessa ter fantasiado. Contudo, senti no peso do colegial as mesmas paixões disfarçadas em amizade que ele relata com tanto vigor no livro, daí a homenagem. Minha mais marcante imagem, da minha inebriante descoberta, a descoberta do erotismo, não fora uma imagem clássica, como São Sebastião de Guido Reni, mas a mesma confecção vulgar de pornografia que circulava pelos corredores da escola. O peso enorme de um estranho fascínio pesava sob minha cabeça; enganava-os fingindo participar do mesmo universo de descoberta sexual que eles (os outros garotos), e, como a personagem de Mishima, fui me tornando especial na arte de dissimular e fingir. Um senso de preservação e uma maldade desde aqueles anos passou a dominar minhas relações sociais. Nunca fui verdadeiramente bom, era muito marcado por um sentimento de autopreservação que me obrigava a ser ruim.



Amava os fortes e me aproximava deles a todo custo. Fui com os tempos marcando minhas relações de amizade com meninos frustrados, quase sempre agressivos. Mesmo os de beleza serena e angelical -- mais a frente falarei das minhas experiências com esses tipos -- conseguiam vencer o anarquismo e as expressões gratuitas de violência. Não gostava, nunca gostei do vigor físico exagerado, gostava dos pontapés e socos que viam de um corpo frágil, ágil, mais “ágil que forte”. Até as personagens ágeis dos desenhos animados eu amava. Essas experiências colegiais abriam aos poucos espaço para o começo da minha difícil relação com a autoridade e com o costume. Aprendi a odiar as autoridades, e os costumes, subvertia-os. Meus amigos de colegial, todos eu influenciava com minha atípica visão de mundo, e passavam todos a multiplicar o universo maravilhoso de literatura que eu fazia ser tudo o que estava ao meu redor, como o rei Midas convertia tudo em ouro, eu convertia tudo em mágica. São as pessoas criativas que deus pôs nele, as que eu disciplinei.



Mantinha contato excessivo com eles e a eles voltava minha atração sexual, por isso havia em mim mais intensidade na percepção do desejo e mais freqüentes momentos de descontrole, uma vez que não vivia distante do objeto admirado sexualmente, não havia separação entre o meu mundo e o mundo do meu objeto de desejo, como havia entre o deles e o das garotas a quem voltavam sua atração sexual. E nesse ponto aprendi a odiar e a afastar-me ainda mais do meio das meninas, nunca gostei nem do que lhes fazia referência, como roupas e sua fragilidade. Na infância a separação boba de papéis a que nos educam afastam-nos em pólos diversos, eu não tinha porque buscar reconstruir esses pólos, religá-los, se deixassem a mim em um internato como o Ateneu eu acharia ali meu verdadeiro lar. Ainda não deixei de as perceber (as mulheres) como seres deslocados do mundo, como alienígenas, observo-as com profunda admiração e sem saber de onde vieram e que propósitos possam ter nesta vida.

O que me deixava ainda mais deslocado era também a criatividade incomum voltada à objetos de arte, como literatura e a música. Havia dificuldade em comunicar o mundo apreendido na admirável literatura a que tinha contato e as experiências banalizadas de vida que os outros na escola adquiriam com os recursos que a educação de pouca qualidade lhes trazia. Eu queria fugir para um lugar parecido com o lugar que meus livros retratavam, com aquelas pessoas criativas e capazes de propagar literatura.

continua

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Crítica ao FILME CONDUTA DE RISCO



Já nos aproximamos do OSCAR 2009 e discutir esse filme talvez esteja fora de ocasião. Conduta de Risco foi indicado a sete OSCAR no ano de 2008 levando o de melhor atriz coadjuvante com Tilda Swinton (Karen Crowder). Na época das indicações ocorreu uma divisão na crítica que em parte o enalteceu e em parte o criticou severamente. Eu pertenço ao grupo do meio termo e estou aqui para ajustar, agora longe do calor daquele OSCAR, as reais proporções da qualidade do longa-metragem. Analisá-lo é também uma maneira de revermos o que ocorreu naquele ano, um dos mais confusos de Hollywood nos últimos dez. Fora de ocasião ou não, vamos à crítica do filme.


O filme se passa em meio a um grupo de advogados e mesmo não tendo muitas cenas com audiências ou inquirição de testemunhas é um filme do gênero dos que envolve o universo do Direito e terminam sendo assistidos por esses profissionais (como eu) com grande entusiasmo no mundo todo. Existem muitos bons filmes com tema voltado ao meio jurídico na biblioteca universal de filmes. Algum deles, como O Sol é para Todos (To Kill a Mockingbird, 1962), Doze Homens e uma Sentença (12 Angry Men 1957), Julgamento em Nuremberg (Judgment in Nuremberg 1961), Anatomia de um Crime (Anatomy of a Murder, 1959) são clássicos do cinema de todos os tempos.


O longa-metragem é o filme de estréia de Tony Gilroy como diretor. Segundo afirmam, Gilroy tirou inspiração para o filme enquanto freqüentava escritórios de advocacia para escrever o roteiro de Advogado do Diabo (Devil’s Advocate 1997). Outro grande trabalho do roteirista é a trilogia Bourne estrelada por Matt Damon e que angariou fãs no mundo todo. Tony Gilroy é um nome que será citado futuramente no cinema, com absoluta certeza. Para um filme de estréia conseguiu um sucesso bem acima do esperado, mas não completamente inesperado tendo em face o elenco e o dinheiro investido.


O filme se inicia com um monólogo do personagem Arthur Edens (Tom Wilkinson) que corre em segundo plano enquanto vemos cenas do escritório de advocacia em uma noite de trabalho difícil. A linguagem de Arthur será um dos grandes pontos do filme, ele escolhe os adjetivos perfeitamente e revela a qualidade do roteiro. No monólogo, Arthur compara a sua saída pela porta do escritório ao rompimento de uma “película” ou “líquido embrionário.”


O escritório seria uma “placenta” e Arthur rompia esse “casulo” libertando-se da sujeira que havia dentro dele. “Eu renasci” diz o personagem e continua “o escritório é o ânus de um organismo cuja única função é expelir veneno”, “estive coberto dessa merda toda a vida”. São as declarações que faz ao seu amigo e protagonista do filme Michael Clayton (George Clooney) quanto este o visita na delegacia por causa do surto de Arthur durante uma audiência.


A história do filme envolve uma companhia ligada ao agronegócio, a U/NORTH, com. um total de 70.000 funcionários espalhados em mais de 65 países. Um herbicida produzido pela mesma seria agressivo ao organismo humano e teria provocado a morte de diversas pessoas (e doença de uns outros tantos) em uma pequena comunidade nos EUA. O resultado da tragédia é uma ação coletiva por indenizações no valor de 3 bilhões de doláres. O escritório de Arthur, Michael e Marty Bach (Sydney Pollock) é o responsável pela defesa da empresa de agrotóxicos. Ocorre que o advogado Arthur Edens (Tom Wilkinson), maníaco-depressivo com problemas pessoais, enlouquece durante uma audiência e revela informações em desfavor de seu cliente. Além disso, Arthur também começa a juntar provas contra o seu cliente (U/NORTH), pondo em risco a sua vida e os rumos do processo. Por envolver o tema de capitalismo selvagem e indústrias carniceiras o filme foi comparado a Erin Brockovich (2000) e O Informante (The Insider, 1999). O processo é carregado pelo escritório há sete anos com protelações para cansar os querelantes e promover um acordo de baixo custo à empresa.


A trama central do filme é intercalada por cenas da vida particular de Michael Clayton, sua separação difícil e a relação com o seu filho de oito anos. A intenção é desenvolver o personagem, que é de fato complexo e guiado com maestria por George Clooney. Michael Clayton é também viciado em poker e deve dinheiro a agiotas por causa de um negócio mal sucedido no ramo de bares. Ele é longe de ser um herói, talvez não chegue a ser um anti-herói, é somente uma pessoa ocupada demais com seus próprios problemas e sem tempo para heroísmo. Não se importa se a causa envolvendo a U/NORTH é suja ou não, apenas quer resolver seus problemas financeiros e pessoais. Refere-se a si mesmo como "faxineiro" que limpa a sujeira dos seus clientes "donas de casa assaltantes e políticos pervertidos". Arthur começa a inserir na ocupada consciência de Michael preocupações de natureza ética que terminam por influenciar um discurso que faz ao seu filho sobre caráter. Contudo, ao ouvir o primeiro discurso de Arthur sobre a sujeira do caso U/NORTH, Michael surpreende-se dando a mínimo interesse para questões morais relacionadas com o seu trabalho e considerando toda a confusão criada por Arthur como um resultado da doença mental do mesmo, como se fosse um devaneio questionar-se sobre a ética em assumir ou não determinada causa e a responsabilidade decorrente disso. Michael Clayton é um advogado sóbrio que conhece o seu papel em um processo e na vida, com realismo. O enrendo é não-linear como muito tem se visto, sem contudo se basear no recurso fortemente.


A câmera do filme costuma focar os personagens bem de perto, muitas vezes escondendo o cenário, acompanhando as expressões faciais dos mesmos, que parecem não interpretar em busca de um fim. O uso máximo do recurso é na cena final em que a câmera acompanha Michael Clayton ao longo de um passeio de táxi. A trilha sonora é suave, com sons gerados eletronicamente ou fortemente mixados. Quanto às cores, nas cenas com Michael Clayton, costumam predominar cores frias, azuis. Em outras cenas predominam cores esverdeadas, em algumas temos cores mais quentes, talvez nas de Karen Crowder (Tilda Swinton)


Comentando a interpretação de Tilda Swinton que levou o OSCAR, de fato ela é foi competente e deu vida a essa executiva exausta, desequilibrada, relacionada demais com o trabalho e que toma decisões que não são capazes de conviver com sua personalidade, decisões de crime. É um pouco parecida com Michael na questão mesma do realismo e por seus problemas pessoais causarem frieza nas suas decisões de executiva. É uma personagem frágil, apesar de se apresentar no filme no papel mais próximo de uma vilã.


As críticas mais severas disseram que o filme é tedioso e que a trama é pouco explícita exigindo demais do espectador que pode se perder e até retirar a atenção do filme, que possui pouca ação real, focando-se basicamente em seu roteiro. De fato é possível que isso, um verdadeiro desastre, aconteça em Conduta de Risco. A trama realmente requer muito cuidado por parte do espectador e o roteiro e sua execução, nesse sentido, sofreu problemas graves. A trama central perde-se durante a trama secundária, as vezes nos tornamos insensíveis a recursos do filmes, por ele apelar pouco, como na cena poética em que Arthur caminha pelas ruas da cidade perdido com seus devaneios diante de publicidades imensas da empresa U/NORTH. Contudo, o ideal é que aqui tenhamos um espectador capaz de compreender a trama sem que o filme necessite explicitar, reforçar, dizer a mesma coisa duas vezes.


O que vi nesse filme foram pontos de grande qualidade intercalados com problemas graves, mas que, quando acerta o faz com maestria sendo espelho para muitos outros filmes que pretendam criar personagens realistas e passar a impressão real de humanos que se perde diante das situações "heróicas" demais que os filmes apresentam e que de fato exigem.


Próximo ao fim, na cena ápice, Michal Clayton fala para Karen Crowder (Tilda Swinton) "você tentou me matar, sou o cara que você deveria comprar e você me mata?". E então, Michael realmente se venderia? Pensa o espectador. É possível, ele é tão anti-herói que talvez fizesse isso. É quando então Michael se despede, depois de revelar-se um herói, respondendo a um homem que pergunta quem ele é: "Sou Shiva, Deus da Morte".