segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

texto do meu diário


TRILHAS SONORAS E RETORNO
Chopin foi a trilha sonora dos meus 17 anos e atualmente quando o escuto volto no tempo. Era esplêndido, os noturnos ganhavam a noite levando-me com eles. Em linguagem de informática podemos dizer que Chopin é um ponto de restauração do meu sistema, uma ação que motiva um retorno do meu ser a um lugar aonde ele já esteve, permitindo que eu volte a "ser" o que já fui, ocupando por alguns segundos uma inteira condição psíquica passada. É muito provável que Tom Jobim termine sendo outro desses pontos de restauração e no futuro faça-me retornar para a atualidade com as suas músicas instrumentais.

Começa a execução do piano dos noturnos e volto à mesma janela, ao mesmo quarto, com um cigarro e xícaras de café, uma sensação impressionante que acho só ser possível ocorrer em mim. Eu sinto o gosto do café na minha boca novamente, o cheiro da canela que adicionava a mais nos cappuccinos. Nessa época tinha deixado de freqüentar escolas e atingido o ápice do meu comportamento anti-social. Vivia para mim mesmo como um animal livre e soberano, lia meus livros solitário e vivia meu mundo, um selvagem que nutria paixões puríssimas, obcecado como era com a nobreza dos próprios sentimentos. Nesta idade feri propositadamente o antebraço duas vezes causando queimaduras irreparáveis de terceiro grau; pequenas cicatrizes de 4cm de diámetro que meus amigos rockeiros de Teresina chamavam de scars. O abuso de entorpecentes era constante, gritava ouvindo Sex Pistols: no fun, my baby, no fun! Ou ainda: no future, no future, for YOU! Passava-se "nada" na minha cabeça como dizia mamãe.

Como será quando Tom Jobim fizer-me voltar aos meus 21 anos de idade? Eu tenho neste momento metade da complexidade que tive antes e teminarei com meu retorno não honrando ao maestro caso não me torne mais criativo e não irei. O que faço agora é ferir de morte a consciência daquele garoto que já fui. Ele jamais toleraria que eu abandonasse o curso de filosofia, pouco importa com o uso de qual argumento. Na certa entraria em um acordo quanto ao abandono do nosso antigo estilo de vida, jamais concordando, porém, com os resultados medianos e conseguintemente medíocres do curso de Direito, porque ele odiava o comum, o homo medius e perceberia que me condeno a isso. Ele sofria da síndrome de Erostrato e havia de se tornar grande nem se fosse como incendiário ou assassino, esse era o seu espírito.
Nunca fui tão inteligente quanto naquela época. Não porque tivesse conhecimento acumulado pelo estudo, mas porque desenvolvia com mais facilidade os dramas que apreendia nos romances. Podia compreender uma situação apresentada por um romance com grande nitidez e transferí-la para mim, sentindo-a em seguida na mesmíssima moeda. Como esquecer a leitura angustiante de Werther? Os contos completos de Virginia Woolf? As biografias de Heidegger (Safranski) e Sartre (Beauvoir)? Eu estava me preparando para viver como um intelectual deveria viver, procuraria os meus pares nas universidades para poder ser, finalmente, feliz. Era isso que se passava na minha cabeça. Era um artista e um filósofo. Iria morrer do mal dos artistas, morreria por ter o coração muito sensível à arte, à vida e à luta.E agora aos 20 anos quando entro para a faculdade de filosofia e descubro formas de dividir minhas experiências, abandono-a tentado como estou pelos valores artificiais adotados por minha família. Tento agora me comportar como um adulto, mesmo porque "a adolescência é o prisma pelo qual os adultos olham os adolescentes e pelo qual os próprios adolescentes se contemplam", como definiu um psicólogo brasileiro na Folha de São Paulo. Como um adulto tento engolir o sentimento profundo de desgosto que é para mim não fazer mais aquele curso e ter fé que terei sorte em arrumar um emprego na capital (como advogado) e puder viver longe da minha cidade natal onde a sociedade acha-se ainda mais barbarizada e distante do modelo que busco para mim.


Carta que enviei ao penalista Rogério Greco

Senhor Rogério Greco,


Sou estudante de Direito do segundo ano, chamo-me Patrick Dantas, tenho vinte anos e moro na cidade de Teresina, no estado do Piauí.

O motivo desta carta está relacionado com a citação feita pelo senhor, do autor Muñoz Conde na página 62 do livro Curso de Direito Penal Parte Geral, segue in verbis:

“(...) e, por último, deixando, em princípio, sem castigo as ações meramente imorais, como a homossexualidade e a mentira”.

A citação foi feita pelo senhor como meio explicativo do princípio da fragmentariedade do Direito Penal, levando-nos a concluir que a homossexualidade não deve ser tipificada como crime porque não é uma ofensa grave o bastante a nenhum bem jurídico tutelado, devendo o Direito Penal não cuidar dessa imoralidade, nos termos do autor citado.

Eu sou homossexual desde minha adolescência, quando descobri minha orientação sexual. Desde sempre lutei pelos meus direitos no meio da minha sociedade e da minha família. Sou conhecido pelos meus amigos como uma pessoa ajustada e com uma capacidade exemplar de realizar juízos de natureza moral.

Pessoas como o senhor chegam a conclusões sem o correto cuidado, sem atentar, por exemplo, aos motivos pelos quais a homossexualidade é uma constante no comportamento sexual humano. Dados revelam que entorno de 10% das pessoas tenham algum grau de desejo sexual pelo mesmo sexo. Atualmente as pessoas estão evoluindo os seus conceitos e a sua moral para compreender que os que desejam o mesmo sexo não são doentes, nem imorais, fazem parte de uma manifestação natural da sexualidade humana, comum a sua existência. É uma questão de Direitos Humanos, inclusive. O CID-10 das Nações Unidas não mais considera a homossexualidade como doença. No Brasil desde 1985 o Conselho Federal de Medicina não considera homossexualidade como desvio sexual.

Conheço a relação ideológica que o senhor possui com a religião cristã, especialmente a protestante. Tinha o senhor como meu jurista favorito na área de Direito Penal mesmo não estando de acordo com a sua convicção religiosa e com as invasões que ela faz no seu texto. Para mim a religião como fonte de conhecimento ou de moral foi banida há séculos pela consciência de real ciência e independência dos valores. Espero que o fato de o senhor considerar a homossexualidade uma imoralidade não esteja relacionado com a sua fé, isso seria grave demais.

Este seu livro é do ano de 2008, a mais recente edição. Decidi cortar com o senhor e não mais adquirir nenhum livro seu desde que li a citação, pois temo que ao longo da coleção encontre algo ainda mais chocante. O Brasil tem excelentes penalistas e eu não preciso me sujeitar a isso. É um absurdo e contrasta seriamente com a atualidade um comentário dessa natureza. Sugiro ao senhor que diversifique as suas fontes, que procure se desmembrar de qualquer preconceito e descubra o que é a homossexualidade para o gênero humano e passe a tratar os homossexuais ao menos com respeito.

Patrick Dantas Lima

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

O curso de filosofia


O nome do blog ainda é filosófico, mas um marco na minha vida faz-se agora quando abandono o curso de filosofia da UFPI, que sonhei em fazer, e continuo somente com o de direito.

O meu primeiro contato com a filosofia foi com um livro didático do ensino médio, depois vieram outros livros, O Mundo de Sofia de Jostein Gaarder, os romances de Sartre, as principais obras de Nietzsche, os textos teóricos dos principais filósofos. políticos. Minhas paixões de adolescente foram vivenciadas lado a lado com a filosofia, meus amigos realçavam isso se deixando influenciar pela mesma volição de desejo e de literatura. A atitude do filósofo de Rembrandt, contudo, faltou em mim: contemplativo, pensativo, submerso, estático, também famosa em Sócrates que teria ficado por horas filosofando às vésperas de uma batalha. Eu gostava era de comunicar a leitura com minhas experiências epicuristas. Tudo era justificativa para uma experiência mais intensa dos sentimentos apreendidos nos romances.

Preparei-me toda uma vida para estudar filosofia e agora me vejo obrigado a adiar mais uma vez porque não acho que seja possível estudar dois cursos e ter condições de ser competitivo em uma área como a de direito em que é exigido muito estudo sistemático, cansativo e uma memória de elefante, principalmente agora com a concorrência alta pela abertura cada vez maior de faculdades. Tenho dúvidas sérias quando me pergunto se sou realmente capaz de destacar-me dos outros, como sempre sonhava, em uma vida acadêmica exemplar. O curso de Direito em que fui enfiado contra a minha vontade aos 19 anos agora já está em metade do seu caminho e nunca fiz nada mais do que ser um aluno regular. As horas de estudo necessárias para um destaque maior ainda me produzem tédio e enfado, quando não me escapa a concentração por qualquer motivo. Atualmente abandonei o sex, drugs and rock, mas a loucura da dedicação compulsiva e incomum aos estudos não veio como conseqüência natural. Já estou buscando o meu lugar na base, acomodando-me a ele, esquecendo qualquer vontade de atingir grandes metas, lançando esse desejo e essa vontade na fogueira de delírios adolescentes que pouco a pouco deixo para trás.

Minha identidade com o Direito é pequena, comparada à identidade que tenho com a filosofia, o contraste a deixa ainda menor. Certamente a Ciência do Direito é uma ciência imensa, uma das mais marcantes características da evolução de nossas sociedades é o nosso Direito. Mas o que se exige dos estudantes de direito e de seus aplicadores é capacidade técnica de levar à diante um complexo grupo de ritos, procedimentos, formalidades e finalidades que caracteriza o ordenamento jurídico e a aplicação efetiva do Direito. Mesmo com os avanços pós-positivistas, uma reabilitação dos valores, da discricionariedade, a maior dificuldade no Direito continua sendo a simples realização da correta subsunção do fato à norma. As normas, estas o aplicador deve conhecer e a única maneira é promovendo a leitura exaustiva das leis. Há pouco o que se fazer a não ser se tornar um excelente burocrata. A questão é: de que serve a alguém conhecer as leis? O conhecimento da Lei aumenta, ele completa? Isso eu não sei, mas quanto ao conhecimento de filosofia, isso eu sei dizer com certeza: filosofar é aquilo que se deve fazer imediatamente após se perceber enquanto vivo.




(continua)